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A PEC 66 e seus impactos para a União e os direitos dos servidores

Luiz Alberto dos Santos, advogado (OAB RS 26.485 e OAB DF 49.777) e consultor. Mestre em administração e doutor em ciências sociais. Colaborador do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)

Publicado: 02 Outubro, 2025 - 12h52 | Última modificação: 02 Outubro, 2025 - 13h18

Escrito por: CNTE | Editado por: CNTE

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 66, de 2023, abre novo prazo de parcelamento especial de débitos dos municípios com seus Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores Públicos e com o Regime Geral de Previdência Social.

Foi apresentada, originalmente, pelo Senador Jader Barbalho, em novembro de 2023, e aprovada pelo Senado em agosto de 2024. No texto encaminhado à Câmara, foi incluída a previsão de aplicação aos regimes próprios de previdência dos Estados, DF e Municípios das regras previdenciárias fixadas pela Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019 para o regime próprio da União, exceto se já houvessem sido fixadas regras mais rigorosas pelos entes subnacionais.

Na Câmara, a PEC nº 66 foi aprovada em 16 de julho de 2025, na forma de substitutivo, que introduziu matérias novas e suprimiu a aplicação da EC 103 aos entes subnacionais.

No Senado, foi aprovado em primeiro turno o texto base desse novo substitutivo em 16 de julho de 2025, mas não foram apreciados destaques para votação em separado, o que deverá a partir de agosto de 2025.

 A PEC nº 66/2023 dirige-se, essencialmente, na forma atual, a dívidas previdenciárias de entes subnacionais, com longos prazos de parcelamento, e introduz a desvinculação de receitas para os municípios. Fixa, ainda, limites para pagamento de precatórios desses entes, repetindo inconstitucionalidades já examinadas pelo STF na EC 113, o que deverá gerar judicialização e, possivelmente, suspensão desses limites.

Embora a PEC não seja dirigida, essencialmente, à União, o texto aprovado contém regras de seu interesse que afetam os sobre precatórios federais e requisições de pequeno valor (RPV), e regras sobre limites de despesas, além de regras gerais sobre a atualização de precatórios:

  1. a)   define a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de fevereiro, e não 1º de abril como fixou a EC 114/2021 (originalmente, a CF fixava 1º de julho.
  2. b)   a União fica autorizada a instituir linha de crédito especial, por intermédio de instituições financeiras estatais federais, destinada exclusivamente à quitação dos precatórios cujo montante ultrapasse a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida nos 5 anos imediatamente anteriores, nos termos de lei complementar.
  3. c)   os valores aportados pelos entes federativos nas contas especiais do Poder Judiciário destinadas ao pagamento de precatórios deverão ser imediatamente excluídos do estoque da dívida para fins de apuração do saldo devedor, vedada a incidência de juros, de correção monetária ou de quaisquer acréscimos legais sobre esses valores após sua transferência. final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
  4. d)   a partir do exercício financeiro de 2026, serão excluídas do limite individualizado do Poder Executivo estabelecido na lei complementar nº 200/2023 (Novo Regime Fiscal), as despesas com precatórios e requisições de pequeno valor.
  5. e)     a partir de 2026, o limite de despesas primárias do Poder Executivo deverá incluir os créditos suplementares e especiais incorporados ao limite de despesa de 2025, e deduzido do valor do limite de despesas com precatórios fixado no art. 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias considerado para elaboração projeto de lei orçamentária anual de 2025, corrigido pelo IPCA.
  6. f)       a partir de 2027, as despesas anuais da União com precatórios e requisições de pequeno valor serão incorporadas gradualmente na apuração da meta de resultado primário estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias, de forma cumulativa a cada exercício, em, no mínimo, 10% (dez por cento) do montante previsto dessas despesas.
  7. g)   Para o exercício financeiro de 2026, não será computado na meta de resultado primário o valor excedente ao limite de que trata o art. 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
  8. h)     A atualização monetária de precatórios e RPV a partir da sua expedição até o efetivo pagamento, será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e não mais a SELIC, estabelecida pela EC 113, e para fins de compensação da mora, incidirão juros simples de 2% a.a. vedada a incidência de juros compensatórios.
  9. i)       Caso o IPCA + juros de mora seja superior à taxa Selic, prevalecerá a SELIC.
  10. j)       Nos processos de natureza tributária serão aplicados os mesmos critérios de atualização e remuneração da mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário.
  11. k)     Durante o período previsto entre a apresentação do precatório para inclusão na proposta orçamentária no PLOA (fevereiro) e sua quitação (até o final do exercício seguinte), não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Análise

No que se refere à União, a PEC 66/2023 propõe alterações significativas no regime de pagamento de precatórios federais, com o objetivo de ajustar o sistema de quitação dessas dívidas judiciais, harmonizando-o com as regras fiscais e promovendo maior eficiência na gestão orçamentária.

  1. a) Alteração do prazo para apresentação de precatórios

A PEC 66 redefine o prazo para apresentação de precatórios judiciais (dívidas públicas oriundas de sentenças transitadas em julgado). A mudança de abril para fevereiro antecipa o prazo para inclusão dos precatórios no orçamento público, permitindo que os entes de direito público tenham mais tempo para planejar o pagamento dessas obrigações no orçamento do exercício seguinte. O objetivo é melhorar a previsibilidade financeira e evitar atrasos no planejamento orçamentário. A antecipação para 1º de fevereiro dá maior margem de manobra para a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), mas pode pressionar os tribunais a agilizarem a emissão dos precatórios, e, no primeiro ano de aplicação da norma, implicará em adiamento parcial da inclusão de precatórios no PLOA, reduzindo o seu volume em 2027.

  1. b) Linha de crédito especial para precatórios

A União poderá criar uma linha de crédito especial por meio de instituições financeiras estatais federais (como Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal) para quitar precatórios cujo montante ultrapasse a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida (RCL) dos últimos 5 anos, conforme lei complementar.

A medida visa oferecer uma solução para situações em que o volume de precatórios a pagar excede a capacidade orçamentária imediata do governo. A linha de crédito funciona como um mecanismo de financiamento, permitindo que a União quite os precatórios sem comprometer diretamente o orçamento corrente.

A medida facilita o pagamento de precatórios em anos com picos de despesa, aliviando a pressão fiscal, mas aumentará o endividamento público, já que a linha de crédito será um passivo a ser pago futuramente.

  1. c) Exclusão imediata dos valores transferidos do estoque da dívida

Os valores transferidos pelos entes federativos para contas especiais do Poder Judiciário destinadas ao pagamento de precatórios serão imediatamente excluídos do estoque da dívida. Após a transferência, não haverá incidência de juros, correção monetária ou outros acréscimos legais até o final do exercício seguinte, quando deverão estar quitados os precatórios. Essa regra busca evitar reduzir custos financeiros, já que os valores depositados não acumularão juros ou correção após a transferência para as contas judiciais.

A medida reduz o custo financeiro para o ente público, já que os valores depositados não geram encargos adicionais durante o período de transição, mas pode gerar questionamentos judiciais sobre a ausência de correção durante esse período, especialmente se houver demora no pagamento efetivo ao credor.

  1. d) Exclusão de precatórios e RPVs do limite do Novo Regime Fiscal a partir de 2026

A partir de 2026, as despesas com precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) serão excluídas do limite individualizado do Poder Executivo, conforme a Lei Complementar nº 200/2023 (Novo Regime Fiscal). 

O Novo Regime Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023) estabelece limites para as despesas primárias do Poder Executivo. Ao excluir precatórios e RPVs desses limites, a PEC garante que essas obrigações judiciais não comprometam outras despesas discricionárias, como investimentos ou custeio.

A medida dá maior flexibilidade orçamentária ao Executivo, permitindo que o pagamento de precatórios não "roube" espaço de outras prioridades, mas será interpretada pelos agentes econômicos como uma forma de contornar o teto de gastos, levantando questionamentos sobre a sustentabilidade fiscal. Contudo, é absolutamente necessária para permitir uma transição mais lenta no sentido da inclusão dessas despesas no cômputo dos limites de gastos.

  1. e) Ajuste no limite de despesas primárias a partir de 2026

A partir de 2026, o limite de despesas primárias do Executivo incluirá os créditos suplementares e especiais incorporados ao limite de 2025, mas será deduzido o valor das despesas com precatórios fixado no art. 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), corrigido pelo IPCA. A regra ajusta o cálculo do limite de despesas primárias, considerando os créditos suplementares/especiais de 2025 e excluindo as despesas com precatórios previstas no orçamento de 2025, com correção pelo IPCA. Isso garante que o limite de gastos reflita a exclusão dos precatórios (como previsto no item d) e seja ajustado pela inflação.

A medida mantém a coerência com o Novo Regime Fiscal, ajustando os limites de forma a não penalizar o Executivo pelo pagamento de precatórios, mas a complexidade do cálculo pode dificultar a transparência fiscal.

  1. f) Incorporação gradual das despesas com precatórios na meta de resultado primário

A partir de 2027, as despesas com precatórios e RPVs serão incorporadas gradualmente na meta de resultado primário (estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO), com um mínimo de 10% do montante previsto anualmente.

A medida busca reintegrar os precatórios ao cálculo do resultado primário (diferença entre receitas e despesas primárias) de forma gradual, evitando um impacto abrupto nas contas públicas. A meta de resultado primário, incluída na LDO para o ano subsequente, é um indicador-chave da saúde fiscal do governo.

A incorporação gradual suaviza o impacto fiscal, facilitando o cumprimento das metas de superávit primário, mas será explorada pelos agentes econômicos como uma postergação do ajuste fiscal, adiando o impacto total dos precatórios nas contas públicas.

  1. g) Exceção na meta de resultado primário para 2026

Em 2026, o valor excedente ao limite do art. 107-A do ADCT não será computado na meta de resultado primário. Trata-se de dispositivo que apenas constitucionaliza o que o STF já havia decidido na ADI 7064, que permitiu a exclusão de valores gastos para quitação dos precatórios das metas fiscais para os exercícios de 2022 a 2026.

  1. h) Atualização monetária e juros de mora

A atualização monetária de precatórios e RPVs será feita pelo IPCA, e não mais pela Selic (como previa a EC 113).  Para compensação da mora, serão aplicados juros simples de 2% ao ano, vedada a incidência de juros compensatórios.   - Se a soma de IPCA + juros de mora for superior à Selic, prevalecerá a Selic.

A mudança do indexador (de Selic para IPCA) visa reduzir o custo financeiro dos precatórios, já que o IPCA geralmente tem variação menor que a Selic em períodos de juros altos. Os juros simples de 2% ao ano limitam os encargos adicionais, e a vedação aos juros compensatórios elimina custos extras. A regra de adotar a Selic como teto garante que o custo não supere o índice usado anteriormente.

A medida reduz o custo financeiro para o governo, especialmente em cenários de juros altos, mas pode prejudicar credores, que receberão uma remuneração menor pela demora no pagamento, potencialmente gerando questionamentos judiciais.

  1. i) Alinhamento com a remuneração de créditos tributários

Nos processos de natureza tributária, a atualização monetária e os juros de mora seguirão os mesmos critérios usados pela Fazenda Pública para remunerar seus créditos tributários. A regra alinha o tratamento dos precatórios tributários com os créditos que a Fazenda Pública cobra dos contribuintes, promovendo isonomia. Geralmente, a Fazenda usa a Selic para atualizar seus créditos tributários, o que pode implicar a aplicação da Selic nesses casos, conforme o item k.

A medida garante coerência entre as regras de correção de créditos e débitos tributários, mas pode gerar complexidade na aplicação, já que os critérios da Fazenda podem variar.

  1. j) Suspensão de juros de mora no período entre apresentação e quitação

Entre a apresentação do precatório (fevereiro) e sua quitação (final do exercício seguinte), não haverá incidência de juros de mora. A medida elimina os juros de mora durante o período em que o precatório está em processo de inclusão no orçamento e pagamento, reduzindo o custo financeiro para o governo.

A antecipação da data de apresentação de precatórios para inclusão na lei orçamentária do ano seguinte para fevereiro, em vez de abril, embora pareça inócua, agrava prejuízos que já haviam decorrido da alteração promovida pela EC 114, de 2021. A EC 114 antecipou de 1º de julho para 2 de abril a data e, na PEC 66, esse prazo passa a ser ainda mais curto, o que deve prejudicar o processamento dos julgados e adiar o seu pagamento; e, uma vez apresentado, amplia-se o prazo de aplicação de juros, reduzindo, portanto, o valor do precatório.

Assim, ela reduz os encargos financeiros do ente público, mas prejudica os credores, que não receberão compensação pela demora no pagamento durante esse período, o que pode gerar contestações judiciais.

Conclusão

Em vista do exposto, observa-se que a PEC 66/2023 busca equilibrar a necessidade de os entes federativos cumprirem as obrigações judiciais (pagamento de precatórios) com a manutenção da sustentabilidade fiscal. As principais estratégias são:

  1. Flexibilização orçamentária: Excluir precatórios do limite de despesas do Novo Regime Fiscal (item d) e permitir linhas de crédito (item b) facilita o pagamento sem comprometer outras despesas.
  2. Redução de custos financeiros: A mudança para o IPCA, a limitação dos juros a 2% ao ano, a vedação de juros compensatórios e a suspensão de juros de mora (itens h, i, j, k, m) diminuem o custo dos precatórios para o governo.
  3. Planejamento orçamentário: A antecipação do prazo de apresentação (item a) e a exclusão imediata do estoque da dívida (item c) melhoram a gestão financeira.
  4. Transição gradual: A incorporação progressiva dos precatórios na meta de resultado primário a partir de 2027 (item f) e a exceção para 2026 (item g) suavizam o impacto fiscal.

A redução da remuneração (IPCA em vez de Selic, juros limitados, suspensão de juros de mora) pode ser vista como uma desvalorização dos direitos dos credores, potencialmente gerando litígios.

Medidas como a linha de crédito e a exclusão do limite de despesas poderão ser consideradas como flexibilizações do controle fiscal, levantando preocupações sobre o endividamento público.

No âmbito subnacional, a PEC reabre o prazo para que municípios parcelem suas dívidas com o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em até 300 meses, com possibilidade de mais 60 meses se necessário, desde que a parcela não exceda 1% da Receita Corrente Líquida (RCL) mensal. Também reduz multas, juros, encargos e honorários advocatícios, alterando o indexador da dívida de Selic para IPCA + 4% ao ano.

O parcelamento das dívidas com o RGPS pode gerar uma economia anual de aproximadamente R$ 331 milhões, enquanto com o RPPS a economia é estimada em R$ 243 milhões por ano. A redução de juros e multas do RGPS pode trazer uma economia total de R$ 258 milhões, e a mudança do indexador pode economizar até R$ 498 milhões.

A PEC estabelece um escalonamento para pagamento de precatórios, limitando os valores anuais a percentuais da RCL (de 1% a 5%), evitando comprometer as contas públicas. Também exclui precatórios do limite de despesas federais a partir de 2026, com um modelo de transição até 2036.

As regras sobre precatórios, que pretendem ampliar as disponibilidades de recursos para Estados, DF e Municípios, serão objeto de judicialização, pois aplicam às dívidas de Estados, DF e Municípios regras que o STF já afastou, no caso da União, por desrespeito à coisa julgada.

Entidades como a Confederação Nacional de Municípios estimam que a PEC 66/2023, na forma aprovada pela Câmara, oferece um alívio fiscal significativo para estados e municípios, com estimativas de economia na casa dos R$ 800 bilhões até 2032, considerando o parcelamento de dívidas, a desvinculação de receitas e o escalonamento de precatórios.

A PEC nº 66/2023 é amplamente benéfica aos entes subnacionais, e o texto remetido ao Senado afastou um dos principais questionamentos, que era a aplicação compulsória da EC 103 aos servidores de Estados, DF e Municípios.

No âmbito federal, a PEC 66/2023 é uma tentativa de conciliar o pagamento de precatórios e RPVS com as restrições fiscais impostas pelo Novo Regime Fiscal.

Embora traga benefícios como maior flexibilidade orçamentária e redução de custos financeiros, também levanta preocupações sobre os direitos dos credores e a transparência fiscal. A implementação bem-sucedida dependerá de regulamentações claras (via lei complementar) e de um equilíbrio entre os interesses do governo e dos beneficiários dos precatórios.

 A votação dos Destaques, no retorno do recesso parlamentar, definirá o conteúdo final da PEC, mas é crítico, para o Executivo, manter a exclusão dessas despesas dos limites de despesas primárias e a garantia de um período de transição.

 

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