Elas venceram e contam como chegaram ao topo do executivo municipal
Conheça o perfil de duas prefeitas que, com pautas progressistas, foram eleitas em 2024 e assumiram municípios que nunca haviam sido governados por mulheres
Publicado: 03 Março, 2025 - 12h33
Escrito por: CNTE | Editado por: Redação
Apesar de compor maioria do eleitorado brasileiro, as mulheres ainda não conseguiram chegar perto da paridade na representação política. Nas eleições de 2024 - que incluíram vereadores e prefeitos - foram eleitos, no total, 57.115 (82,1%) homens e 12.462 (17,9%) mulheres. O dado mostra que a proporção obrigatória de um mínimo de 30% de candidaturas por gênero (usualmente considerada a “cota de mulheres”) nos partidos não se traduz na ocupação de fato das mulheres nos espaços de poder político, pois, em 2024, as mulheres representaram 34,2% de candidaturas.
Em 2025, as prefeituras de 727 cidades serão chefiadas por mulheres, o que corresponde a cerca de 13% dos 5.569 municípios brasileiros. São 64 prefeituras a mais do que em 2020, um aumento tímido da presença das mulheres nesses espaços, de apenas um ponto percentual.
Dessas 727 cidades, cerca de 244 municípios elegeram mulheres para a prefeitura pela primeira vez na história. Veja a seguir o perfil de duas dessas três prefeitas, que contam como conquistaram um eleitorado que historicamente elegia somente homens.
Andressa Leal: a professora que conquistou Caraúbas do Piauí (PI)
Com apenas 31 anos, a professora Andressa Leal (PT) vai assumir a prefeitura de Caraúbas do Piauí (PI) pelos próximos quatro anos. Ela obteve 2.697 votos, 61,69% dos votos válidos (dados a todos os candidatos). O vice-prefeito é Bernardo Ribeiro, do PT, que tem 56 anos. Os dois fazem parte da coligação “Confiar para o trabalho continuar”, formada pelos partidos PT, PCdoB, PV e Solidariedade.
O que te motivou a se candidatar à prefeitura?
O primeiro passo foi o fato de querer mudar ainda mais Caraúbas do Piauí. Antes dessa gestão agora, que é do prefeito Caburé, que me indicou para ser candidata dele, o município tinha uma outra realidade. Uma das coisas que a gente ainda precisa avançar muito é a educação. Então a minha maior motivação é tentar mudar ainda mais a educação de Caraúbas, subir os índices de nossa educação.
Durante a campanha, qual foi a sua abordagem para conquistar os eleitores, sobretudo os homens?
Fui a primeira candidata mulher e a primeira prefeita. Pra mim foi muito difícil por ser uma cidade muito pequena, onde só tem 17% dos habitantes na sede e o restante vivendo no interior. Ainda tem muito homem com aquela ideia de machismo na cabeça e foi muito difícil. O fato de ser professora e de conhecer bem todas as localidades me ajudou muito.A minha estratégia foi essa: adentrar nas casas, pedir o apoio, pelo fato deles confiarem em mim por eu ser professora dos filhos deles. Outro desafio muito grande foi a minha idade, eu tenho 31 anos, considerada nova numa cidade interiorana.
As mulheres ainda ocupam proporcionalmente pouco espaço em cargos de poder. Na sua experiência, o que você acha que pode melhorar para que mais mulheres alcancem esses cargos?
Acho que nós mulheres precisamos sair da nossa zona de conforto, do nosso comodismo. Eu sou mãe de uma criança de 4 anos, ela é uma criança especial, é autista, mas mesmo assim eu saí da zona de conforto e quis seguir essa trilha pra ajudar as pessoas, pra ajudar a melhorar ainda mais a minha cidade. O conselho que eu dou pras mulheres é que a gente tem que sair da nossa zona de conforto para alcançar esses cargos porque se a gente se sentir inferior aos homens a gente nunca vai conseguir ocupar esses cargos.
Darlene Pereira: recebeu 48 mil votos no Rio Grande (RS) em 35 dias de campanha
A assistente social Darlene Pereira (PT), de 62 anos, foi eleita prefeita de Rio Grande (RS) com 48.141 votos. Com 49% dos votos válidos, ela se tornou a primeira mulher a governar o município que, com 287 anos de história, é o mais antigo do estado.
Até 35 dias antes das eleições municipais, ela ocupava o cargo de coordenadora da campanha da Frente Popular, encabeçada por Halley Lino de Souza, que precisou se afastar da disputa por motivos de saúde.
Como foi a sua campanha?
Estava forte na coordenação da campanha do Halley; coordenei o plano de governo e acabei tomando a decisão de assumir a linha de frente. Até porque eu era a pessoa que estava teoricamente mais preparada por conhecer o programa e estar por dentro da campanha como um todo.
Tenho um perfil que é o do diálogo, então a estratégia foi essa: escutar as pessoas, dar oportunidade para que elas falassem dos problemas que percebi na cidade, me comprometer e ser empática com muitas das coisas que a comunidade dizia, porque eu também sou da comunidade, também estamos vendo a situação da cidade, de abandono. Acabei não comprando as brigas dessa competição com os homens e isso ficou bem claro durante a campanha, que eu estava me colocando como mulher, com o meu olhar, com a minha forma de atuar. A campanha foi crescendo de uma forma muito orgânica.
Durante a campanha, a senhora sofreu algum tipo de ataque por ser mulher?
Alguns, mas velados, né? A coisa da capacidade, tem que cuidar da emoção, não pode chorar, te emocionar, porque vão achar que você é fraca. Essa preocupação por ser mulher, que não é nem uma coisa mal intencionada, muitas vezes. É uma coisa cultural, né? Cultural, que já está. É estrutural.
Como o seu partido ajudou na campanha?
Acho que teve muito essa força das mulheres, do coletivo de mulheres, que me acompanhou durante todo o processo da campanha e que está me apoiando agora nesse início de gestão da cota e no início da gestão. E o respeito do meu partido pela decisão, por esse papel que estou assumindo agora. Eu tentei muito o apoio não só do PT, mas de todos os partidos da base, dos oito partidos da coligação.
O que falta para que mais mulheres se sintam acolhidas e incentivadas para disputar uma prefeitura?
Acho que falta muita gente dar conta de que a gente tem o poder e tem a capacidade de enfrentar. Porque as dificuldades, elas vêm e vão continuar vindo. Então, nós precisamos ocupar esses espaços. E uma das coisas que eu acho muito importante, nesse sentido, é o exemplo. Aqui no Rio Grande do Sul, foram eleitas 39 mulheres no estado. Dessas 39, eu fui a mais votada. Sou a candidata mais velha, tenho 62 anos e gosto de dizer que a gente pode sempre.
Enquanto a gente quiser, a gente pode. E mais do que discurso, é o exemplo. Eu tenho me colocado à disposição. Talvez isso tenha mobilizado também as mulheres. De ver que a gente pode sim se colocar à disposição. Tenho procurado chamar muitas mulheres para estarem comigo na gestão. O meu gabinete está formado praticamente só de mulheres. Acho que só têm dois ou três homens aqui no gabinete. Em secretariado, eu não consegui ainda os 50%, mas a gente está perto disso, a gente está trabalhando para isso.
A senhora conseguiu levar abertamente para a população as pautas mais progressistas?
Olha, nós trabalhamos aqui abertamente com as propostas do programa de governo do PT, das bases da esquerda. Foi uma campanha que usou a bandeira do PT, que não escondeu a posição de esquerda que a gente tem e a defesa das nossas pautas. Em momento nenhum a gente se omitiu de colocar o que a gente acredita e o que a gente depende como proposta, principalmente na defesa das mulheres e no combate à violência contra as mulheres. Isso foi uma pauta importante. E foi bem complexo, porque o que acontecia? Ninguém perguntava isso para mim, ninguém falava sobre isso, porque eu estava concorrendo com quatro homens. Então, eu que tinha que provocar o assunto com eles. Era um assunto que, se eu não provocasse, ficava esquecido. Então, acabou sempre partindo de mim essa provocação.
Que tipo de pauta você acha que pegou as pessoas, que conquistou as pessoas?
Acho que tem a ver com a decepção com o governo anterior, tem muito a ver com isso e com a minha disponibilidade da participação popular, uma coisa típica da esquerda. O envolvimento da comunidade, a proposta da construção coletiva da defesa das causas sociais, foi bem forte.
E outra coisa: a cidade estava muito suja. O cuidado com a cidade é um tema importante, é uma pauta que já estou trabalhando desde o primeiro dia. Já estamos organizando mutirões, e não simplesmente mutirões de limpeza, mas mutirões envolvendo a comunidade, discutindo com ela o que é melhor, ouvindo as demandas e trabalhando junto as possíveis soluções para aquele bairro. As pessoas estão precisando falar, estavam se sentindo abandonadas, rejeitadas, mal cuidadas. Acho que ouvir as pessoas foi a grande diferença.