MENU

Mulheres trans no legislativo: do preconceito ao reconhecimento

2024 foi o ano em que, pela primeira vez, candidatos puderam declarar suas orientações sexuais e identidades de gênero à justiça eleitoral

Publicado: 03 Março, 2025 - 13h01

Escrito por: Redação | Editado por: Redação

As eleições municipais de 2024 elegeram 26 candidatas trans. Apesar de celebrado, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) aponta que o número foi menor que o registrado em 2020, quando 30 candidatas assumiram cargos públicos.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em todo o Brasil, foram registradas 967 candidaturas de pessoas trans. Essa foi a primeira vez em que candidatos/as informaram suas orientações sexuais e identidade de gênero à justiça eleitoral. 

No geral, dados mostram que a comunidade LGBTQIAPN+ mais que dobrou a sua participação na política; um salto de 97 para 225 prefeitos e vereadores, comparado a 2020.

Para o consultor de Diversidade e Inclusão, JP Polo, os avanços e conquistas de espaços da comunidade devem sempre ser celebrados, porém, chama a atenção para a falta de candidatas trans e travestis nos cargos executivos.

“Quando olhamos para o número de pessoas LGBTQIAPN+ eleitas no último ano, nas eleições municipais, tivemos um aumento considerável: foi mais que o dobro. Entretanto, se considerarmos apenas candidaturas de pessoas trans e travestis, tivemos um número menor de eleitas, comparado a 2020. E, destas, nenhuma das 27 pessoas trans eleitas foi para o Executivo, apenas para as Câmaras Municipais”, aponta. 

Eleita no município de Paramoti, no Ceará, a vereadora Edy Lopes (PT) celebra sua vitória, que considera como um fortalecimento na luta por visibilidade e direitos das pessoas LGBT+. 

“Uma grande vitória para a comunidade e um grande passo, principalmente nesse período que estamos vivenciando, onde dentro da própria política estão querendo fazer o retrocesso para/com os nossos direitos e existência. Registra um fortalecimento, para podermos, cada vez mais, dar visibilidade e seguirmos com a nossa luta por direitos”, destaca.

Eleições violentas

O ano eleitoral também foi marcado pelo crescente número de violências políticas por gênero e raça. Segundo informa a 3ª edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, produzida pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, os casos registrados no período pré-eleições de 2024 foram 130% maiores do que nos anos anteriores. 

Lançado em dezembro de 2024, o estudo identificou 299 casos de violências políticas entre novembro de 2022 e 15 de agosto de 2024. Desse total, 145 ocorreram somente no ano de eleição; 14 dos registros foram de assassinatos. 

Os casos mapeados pelas organizações levaram em conta aqueles que tinham indícios de motivação política, com agressões físicas, ameaças, atentados, violências, assassinatos, ofensas e criminalização.

De acordo com a pesquisa, os números totais mostram que, a cada um dia e meio do ano de 2024, um caso de violência política acontecia no Brasil. Comparado aos anos eleitorais anteriores, em 2018, os crimes de violência política aconteciam uma vez a cada 8 dias. Em 2020, foram registrados um caso a cada 7 dias.

“Em meu município, onde concorri como vereadora, não sofri preconceitos, nem fui violentada física ou moralmente, mas falo isso dentro da minha realidade, em Paramoti. Porém, infelizmente, essa não é uma realidade em todo o Brasil”, conta a vereadora Edy.

Foram registrados casos de violências políticas e eleitorais em 24 estados e no Distrito Federal, destaca a pesquisa. A região Sudeste aparece com o maior índice de ocorrência, contabilizando 38,1% do total; em sequência, vem a região Nordeste, somando 29,8% dos episódios; e o Centro-Oeste, com 15% do total.

De todas as unidades federativas, quatro estados concentram a maioria dos casos de violência política: São Paulo (53), Rio de Janeiro (32) e Bahia e Minas Gerais, com 25 ocorrências.  

“Ainda temos muito a evoluir para termos representatividade nesses espaços públicos de decisão, para que as pautas que afetam a população sejam levadas a plenário e políticas públicas possam se tornar realidade”, enfatiza JP Polo. 

“O número de pessoas LGBTQIAPN+ mortas no país é altíssimo, sobretudo pessoas trans e travestis. É ainda muito brutal viver - para além de sobreviver - no Brasil. É necessário pensar em saúde básica e específica para essa população, assim como acesso a uma educação de qualidade e que não expulse essas pessoas da escola por não saber lidar com as diferenças. Sem falar em emprego digno em espaços seguros, que é o mínimo. Ou seja, avanços tivemos, mas ainda lutamos por direitos básicos... Sim, o caminho é longo e nós não voltaremos para os armários!”, completa o especialista.

Os dados ainda mostram que, entre as mulheres em cargos eletivos, a intimidação é reincidente. Fator esse que resulta em desestímulo de mais mulheres cis e trans em ocupar um espaço público e cargos de representação de poder.

O relatório feito pela Terra de Direitos e Justiça Global mostra que mulheres negras, cisgêneras e transexuais foram alvo de 63 casos, totalizando 21% dos casos. Devido à baixa representação dessas em cargos eletivos, o número de ocorrências é visto com preocupação.

“Precisamos estar cada vez mais nos fortalecendo, para que a gente tenha mais força e presença nesses espaços partidários, políticos e defender a nossa causa. Não podemos jamais desistir”, reitera a vereadora Edy Lopes, que tem a luta por mais direitos e inclusão como uma de suas perspectivas para o mandato.

Espaços conquistados

Os resultados das eleições municipais mostram o avanço da diversidade ocupando cada vez mais os espaços políticos. Além de ganhos na representatividade e fortalecimento da luta por direitos da comunidade LGBTQIAPN+, para JP Polo, esse avanço também significa resistência e quebra de estereótipos.

“Por muitas décadas e ainda hoje, a sociedade "carimbou" a população trans e travesti, estigmatizando-a e permitindo apenas que ocupassem espaços de marginalidade e violência na sociedade. Ter representantes não somente na política, eleitas democraticamente, mas também em outros diversos espaços, podendo se desenvolver e mostrar seus talentos, é importante para marcar um território e, simbólica e materialmente, dizer que não aceitaremos retrocessos e, portanto, resistiremos”, destaca.