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Novas estratégias para enfrentar problemas antigos

Governo federal retoma investimentos para combater a violência contra mulheres e endurece lei para casos de feminicídio

Publicado: 01 Março, 2025 - 07h02 | Última modificação: 01 Março, 2025 - 08h29

Escrito por: CNTE | Editado por: CNTE

 “Ele já dava sinais de um comportamento que foi piorando com o tempo. De 1990 a 1992 as violências atingiam a minha subjetividade e eu, mesmo com minha vivência política, não enxergava que aquilo podia chegar a outras violências”, relata a gestora ambiental Igina Mota Sales, 59 anos, quilombola que vive no contexto urbano em Jurunas, Belém (PA).

Atual coordenadora do Núcleo Belém, do Movimento Afrodescendente do Pará (Mocambo), Igina Sales teve dois filhos com esse primeiro marido. “Ele sempre achava uma forma de me confundir, e eu, à época, achava que aquilo fazia parte do tal do ‘amor’. Vivi sob forte violência doméstica, no auge da minha juventude, ou seja, dos 28 (1993) aos 31 anos (1996)” relembra.

Ela explica que mesmo fazendo parte de movimentos feministas encontrou dificuldades em buscar ajuda. “Separei sob conflitos físicos, psicológicos e de ameaças a minha vida e de meus filhos, com idas por delegacias, Instituto Médico Legal, e Vara de Família. Infelizmente, em 1996 o Estado brasileiro não tinha avançado muito. Para não ser mais uma estatística, abri mão de processo criminal e civil e resolvi do meu jeito aquela situação”.

Novas estruturas

Atualmente, o Brasil conta com redes de atendimento à saúde, Casa da Mulher Brasileira, albergues e delegacias especializadas em atendimento às mulheres. Segundo Igina Sales, mesmo que alguns serviços no Pará, local onde ela vive, sejam insuficientes para o tamanho do estado, ela nunca desacreditou das instituições e da possibilidade de o país cuidar melhor das mulheres em situação de violência doméstica.

“Ter atendimento especializado e multidisciplinar é de vital importância para superação de situações de violências e ressignificação de vida. Em Belém, temos a Casa da Mulher, que atende especialmente a área da saúde feminina. Em Ananindeua, temos uma Casa da Mulher Brasileira, que é importante para, no momento da ocorrência, retirar a mulher do ambiente violento”.

Ela conta que na época em que sofreu violência chegou a recorrer às instituições, mas a revitimização era muito grande e perdia-se o dia de trabalho, aguardando nos bancos de delegacias e defensorias uma resposta ágil para o caso. “Por isso, e pelo desespero de me livrar daquele agressor, acabei optando por meu próprio justiçamento. Desde então me engajei muito mais nas lutas por uma sociedade saudável e segura. Fazer parte do Movimento ajudou a minha recuperação. Hoje me sinto muito segura”, conclui.


Enfrentamento

A juíza Suelen Alves, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), destaca a importância da Lei Maria da Penha, criada em 2006, que propõe a atuação em três “P”s: Prevenção, Proteção e Punição. 

“No âmbito da prevenção, a gente vem realizando o programa Maria Vai à Escola, que em 2025 completa dez anos. São oito aulas com os alunos do quinto ano do Ensino Fundamental das Escolas Municipais. Além das palestras, a gente combate eventual trauma dessas crianças e adolescentes que presenciam esse tipo de situação”, explica.

O trabalho de prevenção da Coordenadoria Estadual também envolve o curso reflexivo “Sujeito Homem”, destinado aos autores de violência doméstica, e o “Grupo Elas”, voltado para as mulheres. “Dos homens que participaram do curso, nenhum deles voltou para o sistema, ou seja, não houve reincidência. 

Conheço o caso de um homem que pediu para continuar no curso mesmo já tendo cumprido a carga obrigatória determinada pelo juiz, reconhecendo que o curso é muito benéfico. No grupo terapêutico das mulheres, a gente busca romper os ciclos violência e mostrar para elas que existem outros tipos de relacionamento”, detalha Suelen Alves.

O trabalho de conscientização também chega a comunidades indígenas, interioranas e rurais. “Por exemplo, para chegar lá em Uiramutã, na comarca de Pacaraima, são mais de oito horas de viagem. E a gente vai até lá, junto com a justiça itinerante, deslocando os nossos profissionais da equipe interdisciplinar da violência doméstica, para levar a informação a respeito dos canais de atendimento à mulher, da punição prevista, da prevenção”, ressalta a juíza. 

“Recebo relatos de mulheres dizendo que acreditavam que, por morarem em comunidade indígena, não teriam direito à medida protetiva. Aí a gente explica que a lei é para todos. Alertamos que não se admite violência contra a mulher dentro do relacionamento”, completa.

Endurecimento da lei - Pacote Antifeminicídio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em 2024, o chamado Pacote Antifeminicídio (Lei nº 14.994 de 09/10/2024). Entre as novidades, estão o aumento para até 40 anos de prisão para o crime de feminicídio, maior previsto na legislação penal, equiparando o feminicídio aos crimes hediondos. Para lesão corporal, a pena passa a ser de até 5 anos. A progressão de regime só ocorrerá após 55% do cumprimento da sentença.

Na avaliação da juíza Suelen Alves, esse dispositivo traz uma equiparação com a legislação de outros países da América Latina que vivem realidade sociocultural semelhante. “Vários outros países já iniciavam com a pena de 20 anos. Então nesse aspecto a gente vê que teve essa espécie de adequação. Além disso, a lei veio para passar o recado para a população em geral acerca da gravidade do crime”, pontua.

Outro aspecto importante da nova lei é o combate à reincidência. “Uma pessoa que é presa em flagrante pelo crime de lesão corporal, a partir dessa nova lei, ela é automaticamente levada ao judiciário e apresentada ao juiz que vai decidir pela manutenção ou não da prisão - ela não pode mais ser liberada direto na delegacia. Nesse sentido, a nova lei pode ajudar a reduzir a reincidência”, descreve Alves.

A juíza relembra que, antes dessa lei, a mulher dizia na delegacia se queria ou não processar criminalmente por ameaça e, agora, não é mais necessária essa representação, o que pode trazer algum desconforto. “Muitas vezes, a vítima de violência doméstica quer apenas uma medida protetiva. Ela quer viver em paz. Isso seria o suficiente. Ela superou, e a gente, enquanto sistema de justiça, está lá chamando ela de novo para falar sobre uma coisa que ela não quer mais falar”, reflete.

A nova lei também prevê a perda automática do cargo público, do mandato eletivo das pessoas que forem condenadas pela prática de violência doméstica contra a mulher. “É uma perda automática. A nova lei não dá a possibilidade de valorar, no caso concreto, essas situações, o que pode fomentar muitas vezes aquela preocupação da vítima em perder o próprio sustento dela ou dos filhos”, pondera a juíza.

Para ela, é uma lei que poderia vir com algum complemento, oferecer algum tipo de segurança com relação a filhos, por exemplo, para a vítima que depende financeiramente de um agressor não ficar tão desamparada. Outra alternativa seria deixar, pelo menos a critério do caso concreto, decidir ou não pela perda do cargo público, e decidir pelo que for menos prejudicial para as famílias.

Estatística

Mesmo com a Lei Maria da Penha e de outras estruturas para proteger mulheres nos últimos anos, os indicadores de violência contra elas seguem alarmantes. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, em 2023 foram registradas 8.372 tentativas de homicídio de mulheres, o que significa um crescimento de 9,2% em relação a 2022. Desse total, 33,4% foram tentativas de feminicídio, isto é, tentativas de matar uma mulher em função do gênero, o que faz com que as tentativas de feminicídio tenham crescido 7,1%.

As agressões em contexto de violência doméstica também aumentaram: foram 258.941 vítimas mulheres, o que indica um crescimento de 9,8% em relação a 2022. O número de mulheres ameaçadas subiu 16,5%: foram 778.921 as mulheres que vivenciaram essa situação e registraram a ocorrência junto à polícia. O aumento dos registros de violência psicológica também foi grande, de 33,8%, totalizando 38.507 mulheres. O crime de stalking (perseguição) também subiu, com 77.083 mulheres passando por isso, um aumento de 34,5%.

Retomada do enfrentamento ao feminicídio

No âmbito do governo federal, o Ministério das Mulheres retomou, em março de 2023, o Programa Mulher Viver sem Violência passa a integrar a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. A Casa da Mulher Brasileira (CMB) é um dos eixos desse Programa.

A primeira unidade foi inaugurada em fevereiro de 2015, ainda na gestão da presidenta Dilma Rousseff e é uma das principais ferramentas do Governo Federal para proteger mulheres vítimas de violência no Brasil,com funcionamento 24 horas por dia, nos sete dias da semana.

Atualmente, há 10 Casas em funcionamento no país, localizadas em Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), São Paulo (SP), Boa Vista (RR), Ceilândia (DF), São Luís (MA), Salvador (BA), Teresina (PI) e Ananindeua (PA), sendo que as três últimas foram inauguradas em 2023 e 2024. Outras 27 estão sendo implementadas no Brasil, em diferentes fases.

Feminicídio Zero

Para reforçar ainda mais a segurança das mulheres, o governo federal lançou, em agosto de 2024, a campanha permanente “Feminicídio Zero - Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada”, que foca na prevenção a todos os tipos de violência e convoca a sociedade a percebê-la, enfrentá-la e interrompê-la a fim de que não chegue a um feminicídio. A mobilização teve início no mês em que a Lei Maria da Penha completou 18 anos.

O filme da campanha é veiculado por diversos estados do país, nos campos de futebol, com ações como faixas, braçadeira e selo nos uniformes dos jogadores e vídeo no telão do estádio. Empresas e organizações da sociedade civil também podem aderir à campanha, que contou com a reestruturação do Ligue 180. Esse serviço de enfrentamento à violência contra as mulheres oferece orientações sobre direitos e garantias, registro e encaminhamento de denúncias. O serviço funciona em todo Brasil 24 horas por dia, todos os dias da semana, incluindo feriados. Também funciona via WhatsApp pelo número: (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.

Também foi criado um painel no portal do Ministério das Mulheres (www.gov.br/mulheres/ligue180) que reúne as seguintes informações sobre os serviços especializados no atendimento às mulheres:

 

  • Casas da Mulher Brasileira
  • Delegacias Especializadas, Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher em Delegacias Gerais
  • Patrulhas Maria da Penha
  • Centros de Referência e de Atendimento à Mulher
  • Casas Abrigo e Casas de Passagem
  • Núcleos de Defesa da Mulher em Defensorias Públicas
  • Promotorias Especializadas e Núcleos de Gênero nos Ministérios Públicos
  • Juizados e Varas Especializados em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
  • Serviços de saúde voltados às pessoas em situação de violência sexual

Desafios das mulheres na busca por proteção em Londrina (PR)

Lançado em 2024, o livro “Caminhos da Rede e as Histórias de Sete Mulheres Vítimas de Violência em Londrina”, traz relatos  de mulheres que enfrentaram a violência de gênero na cidade paranaense. A obra é resultado da dissertação de mestrado defendida no ano de 2022 no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPSGC), do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (DSC/ UEL).

As autoras Giovana Maria Mourinho Ferreira e Marselle Nobre de Carvalho  coletaram depoimentos de sete mulheres que vivenciaram uma situação de violência, mas que no momento da pesquisa já estavam em fase de superação.

A proposta do livro é mostrar os caminhos que Carolina, Cecília, Cora, Luci, Marina, Mariana e Miriam percorreram em busca de apoio, cuidado e proteção, enfatizando os obstáculos enfrentados por elas. Com isso, as autoras esperam fornecer subsídios para que o poder público aperfeiçoe processos e procedimentos, acolhendo, cuidando e protegendo efetivamente as mulheres.

As autoras da publicação concederam uma entrevista à Revista Mátria. Veja a seguir.

Quais são os principais obstáculos que essas mulheres enfrentaram na busca por acolhimento diante de uma situação de violência de gênero?

GIOVANNA - O primeiro seria a identificação. Às vezes a mulher demora um tempo até perceber uma violência, seja psicológica ou sexual, que às vezes acontece dentro de um casamento. Algumas agressões têm aumento gradual na intensidade e na força. Depois, é a busca em relação à ajuda, é saber quem que vai acolher,  orientar e cuidar. Ao longo da pesquisa observamos que quando a mulher tinha um dano físico, ela encontrava um caminho mais direto, ir ao hospital, buscar um atendimento médico. Quando o dano era psicológico, patrimonial, ou uma questão de ameaças, enfim, ela ficava mais em dúvida em relação a que caminho buscar. A falta de informação acaba sendo um obstáculo também. Depois, quando ela busca esse serviço, às vezes, um grande obstáculo era como ela era tratada, se a violência dela era validada e acolhida, e não era julgada. 

Há algumas situações em que a mulher procura a proteção, mas ao mesmo tempo ela também tem medo de prejudicar o seu parceiro (ou ex-parceiro), que às vezes pode até ser pai de um filho dela. Isso é frequente?

GIOVANNA - Uma das minhas entrevistadas tinha um filho com o agressor e ela falava assim, “nossa, como que eu vou deixar o pai do meu filho ser preso?”. Em outro caso, a mulher chegava a fazer o boletim de ocorrência mas depois não representava, não dava sequência, ela ia lá e retirava a queixa por conta disso. A gente tem que olhar de vários pontos de vista, porque talvez isso já seja fruto de manipulações dentro desse relacionamento, se algo de ruim acontece comigo, que sou seu agressor, a culpa é sua, não é minha. Então há uma transferência de responsabilidade para a mulher, mesmo quando ela está sendo agredida. Às vezes a falta de informação e de efetividade legal também causa receio. A gente sabe que, às vezes, não é o fato da mulher denunciar e continuar mantendo ali a denúncia, que vai fazer com que ela seja protegida. Então há várias questões para prestar atenção, e sim, às vezes, ela se sente culpada por estar dando um passo em busca da própria proteção.

Qual é o peso de um grupo de apoio no processo de acolhimento às mulheres? Como podemos melhorar esse suporte?

GIOVANNA - Algumas das mulheres que entrevistei participaram desses grupos e se sentiram apoiadas. Existem várias iniciativas, tanto de políticas públicas quanto de iniciativas privadas para prestar suporte, mas eu acho que ainda dá para ampliar esse grupos, para essa mulher se sentir acolhida com outras, poder falar e ser fortalecida, então acho que os movimentos sociais também podem cumprir esse papel de criar essa rede.

MARSELLE - Uma coisa que fica bem evidente no livro é a necessidade de construir rede. Todo mundo fala de rede e fica parecendo que é uma palavra vazia, e na verdade não é. O estabelecimento de rede, seja ela uma rede de apoio de amigas, da igreja, dos movimentos sociais, do terreiro, do grupo de caminhada, seja lá de que natureza essa rede é composta, é importante para essa mulher individualmente. Porque uma das primeiras coisas que acontece com uma mulher em situação de violência é o isolamento. O agressor - e a gente fala o agressor porque 99,9% das agressões são cometidas, por homens e geralmente homens cis -  é uma característica do processo de violência, esse homem manipula psicologicamente essa mulher de tal maneira que ela se isola, então ela perde essa rede, e perder a rede é, de fato, fragilizá-la ao máximo. Quando a gente fala de rede de proteção, isso não é só uma imagem, nem só uma figura de linguagem, é real, assim como é real a rede de serviços.

Como é que fica esse suporte na saúde pública? Como fazer esse atendimento com qualidade em todo território nacional?

MARSELLE - O livro é para isso, é para contar como é que as mulheres caminham por essa rede, e são sete mulheres, são sete vidas, diferentes trajetórias. A ideia do livro é falar da singularidade desses caminhos. Embora você tenha protocolos que guiam os profissionais no processo de atendimento, e também nos ajudam a fazer escolhas, há uma complexidade na violência de gênero contra mulheres. Se a violência sexual, de modo geral, a gente tem uma rede minimamente preparada para atender essa mulher, porque tem uma questão objetiva, concreta - inclusive de saúde - então ela tem que fazer o medicamento de emergência, contracepção de emergência, ela tem que fazer todos os medicamentos para prevenir ISTs pós-exposição, ver se tem machucado, se tem lesão, enfim, essa é a nossa formação, então a gente está preparada, de certa maneira. Mas a violência que a gente tem talvez maior dificuldade de lidar é a violência doméstica, principalmente aquela que vem muito fortemente travestida, e que ocorre muito frequentemente, a violência psicológica, a patrimonial, que é muito comum, inclusive, antes da agressão física. A gente, no geral, não dá a mesma dimensão para uma violência psicológica.

A mulher chamada “poliqueixosa”, é que vai quase todo dia no serviço de saúde, na unidade básica, procurar auxílio de outras coisas, e ela não verbaliza, ela até está consciente, mas às vezes ela não está em condições de dar o passo, ela não vai falar na Unidade Básica de Saúde (UBS) porque ela acha que aquele não é o lugar de falar porque o certo é na delegacia. Ela pensa que se não tem nada físico, não tem porque ir na UBS, então, geralmente, essa mulher fica gravitando. De repente, essa é uma lacuna, então, poderia ter algum serviço aí. A gente está trabalhando nisso nas próximas teses, que são os sinais, os eventos sentinela - isso a gente trabalha muito na área da saúde. O evento sentinela não pode ser exclusivamente o evento físico, geralmente é um olho roxo, o hematoma em uma parte que não seria o escorregão, que não foi a maçaneta que bateu, aquelas histórias que chegam para disfarçá-la.

Nós não temos preparo, não temos ferramenta, e precisamos trabalhar em rede, não dá para a trabalhadora na UBS resolver sozinha, porque ela tenta resolver sozinha, mas se não tem a rede, o agressor volta, ele é liberado daqui a pouco, ele chega, tem só uma medida protetiva para ele ficar 500 metros de distância da mulher. Ele pode frequentar a unidade se não tiver ela lá por perto, e aí pode chegar perto da equipe de saúde - há uma série de elementos que causam muito medo para as trabalhadoras e trabalhadores também, então superar o medo só é possível trabalhando em rede. Você precisa se sentir também segura para acolher, cuidar, encaminhar e ter certeza que esse agressor não vai se voltar contra a equipe, se voltar contra a trabalhadora que acolheu. 

Justiça para Jujuba!

A artista e cicloativista venezuelana Julieta Ines Hernández Martinez, também conhecida como palhaça Jujuba, foi estuprada e assassinada brutalmente em dezembro de 2023. O corpo dela foi encontrado no dia 6 de janeiro de 2024, no município de Presidente Figueiredo (AM). Apesar da justiça ter encontrado os autores do crime, em 2025 a família ainda segue na luta pela mudança na tipificação, de latrocínio (roubo seguido de morte) para feminicídio.

Julieta circulava pelo Brasil há 8 anos e fazia parte do grupo do "Pé Vermêi", formado por artistas e cicloviajantes que pedalam pelo país. Além de apresentações circenses, ela também trabalhava como bonequeira.

A promotoria de justiça responsável pelo caso rejeitou o pedido da família para reclassificar o crime. "É horrível pensar que esse caso está sendo julgado como um roubo, enquanto os números de feminicídios seguem crescendo. Assim como o caso da minha irmã, existem muitos outros, e isso não pode continuar. Matam uma mulher por ser mulher e dizem que foi suicídio ou qualquer outra coisa", relata a irmã de Julieta, Sophia Hernández, em entrevista ao Brasil de Fato. "É feminicídio de qualquer forma, porque, para roubar um celular, não precisa estuprar. Então é preciso se perguntar, se fosse um homem, teria acontecido tudo isso com ele?, questiona Sophia.

O Ministério das Mulheres publicou nota em junho de 2024 manifestando apoio à família para que o crime seja tratado como feminicídio. A nota reforça que "A violência contra Julieta Hernandez apresenta características de um crime misógino e xenófobo, de ódio à artista circense como mulher e como migrante" e reconhece "a preocupação dos familiares e advogados da vítima pela ausência do devido tratamento jurídico ao caso como uma grave violação de direitos humanos das mulheres e dos migrantes e reforça a crença nas instituições brasileiras para que este caso e o de todas as mulheres que recorrem à Justiça não fiquem impunes, por suas vidas e pelo direito à memória".